"Ao nos conceder as Escrituras, Deus usou homens que se sentiam à vontade no mundo do antigo Oriente Próximo. Os escritores bíblicos tratam de muitas questões idênticas que interessavam às pessoas que lhes eram próximas. Como o mundo veio a existir? Qual o lugar especial da humanidade no mundo? Com que se parece(m) Deus (ou deuses)? Como ele (eles) continua(m) a se relacionar com o mundo?
Os escritores bíblicos fizeram uso de alguns modos de falar compartilhados por vários relatos do antigo Oriente Próximo sobre a criação e o dilúvio. A fé e a mensagem dos escritores bíblicos, porém, são bem diferentes das dos outros escritores do Oriente Próximo.
Os escritores bíblicos criam num único Deus. Viam Deus como seu Criador e o mundo como Sua obra. Seus vizinhos criam em muitos deuses e criam que seus deuses estiveram envolvidos na criação, mas não eram separados dela. Antes, seus deuses eram personificações da ordem criada.
Os escritores bíblicos sabiam que Deus é um Deus moral, que pune o pecado, mas responde com a graça (do perdão) para salvar sua criação. Os vizinhos de Israel acreditavam em deuses imorais, preocupados com o próprio prazer e não com o bem da humanidade.
Histórias da Criação
Elementos isolados no relato bíblico da criação tem paralelos em elementos de antigos relatos egípcios. Por exemplo, numa história de criação proveniente de Mênfis, o deus Ptah cria por meio de sua palavra e descansa em seguida à criação. Narrativas egípcias sobre a criação, ao contrário de suas contrapartes bíblicas,são politeístas. Ou seja, descrevem não só a criação do mundo, mas também a criação dos numerosos deuses inferiores que personificam a natureza. A origem mitológica desses deuses inferiores é variada. Em um relato são partes do corpo do deus principal, Aton, em outros são o fôlego, a saliva ou as lágrimas de Aton; e em outros são ainda produto de atos sexuais.
A principal história mesopotâmica de criação, a Enuma Elish, é uma epopéia com o objetivo de louvar o deus Marduque e não é em sua essência uma história de criação. Nessa epopéia o Marduque combate a deusa do mar Tiamate. Marduque vence, dividindo o corpo de Tiamate ao meio, e uma parte se torna o céu e a outra a terra. Em seguida o restante da criação foi feito e colocado em ordem.
Enquanto se pode dizer que tanto o relato bíblico como as demais narrativas antigas do Oriente Próximo vêem o mundo como produto da criação, as diferenças de longe tem mais peso que as semelhanças. O comportamento imoral dos numerosos deuses egípcios e mesopotâmicos constitui contraste notável com o do Santo de Israel. As epopéias egípcias e mesopotâmicas são profundamente mitológicas, mas a história bíblica não. A história bíblica é também única por apresentar Deus como um ser preexistente e distinto da ordem criada.
Por fim, a concepção da humanidade é fundamentalmente diferente. Os mitos egípcios e mesopotâmicos vêem a humanidade como uma reflexão posterior; os seres humanos são meros subprodutos de uma congestão de um deus ou servem apenas para aliviar os deuses do trabalho diário enfadonho.
Mas a história bíblica retrata a humanidade como o clímax da criação - a imagem de Deus. É improvável, portanto, que os relatos bíblicos sejam uma símples recomposição de histórias mais antigas de criação do antigo Oriente Próximo.
Histórias de dilúvio
A mais importante e completa história mesopotâmica de dilúvio encontra-se na décima primeira placa da Epopéia de Gilgamés, uma narrativa comovente sobre a busca frustrada da vida eterna por Gilgamés e seu amigo Enkidu. Essa narrativa do dilúvio não diverge tanto do relato bíblico como ocorre com as histórias de criação. Na verdade, as semelhanças são por demais admiráveis para serem acidentais.
Em ambas as histórias, Deus ou os deuses, dão início ao dilúvio por causa do desagrado com a humanidade, mas informam o personagem principal sobre o desastre iminente e o aconselham a construir uma embarcação enorme coberta com piche, de acordo com dimensões predeterminadas. Em ambas as histórias, o herói e sua família são salvos da inundação de longa duração, e o herói envia um pássaro para ver se as águas do dilúvio haviam baixado. Em ambas as histórias o herói oferece sacrifício e cultua a Deus ou aos deuses após o dilúvio e é elogiado por sua fidelidade.
Por outro lado, a diferença mais fundamental entre as duas histórias está na conduta de Deus e dos deuses mesopotâmicos. Na Bíblia, Deus é ultrajado moralmente pela perversidade dos homens. Os deuses na Epopéia de Gilgamés são imaturos, ficam perturbados e perdem o sono por causa dos ruídos que a humanidade faz. Em Gênesis, a vontade graciosa de Deus é salvar os que estão na arca. O herói da Epopéia descobriu o dilúvio que estava por vir contra a vontade da maioria dos deuses. No fim, o herói da Epopéia de Gilgamés se tornou um deus, algo muito diferente da experiência de Noé em Gênesis 9.
Mais detalhes das histórias, tais como as dimensões da arca e duração do dilúvio, também são bem diferentes. Essas diferenças são tão importantes que tornam altamente improvável a existência de uma relação literária entre os dois textos. Entretanto, as semelhanças favorecem alguma associação. Uma vez que o dilúvio foi um evento histórico, é plausível que a memória do acontecimento tenha sido preservada pelos sobreviventes e seus descendentes."
(A Mensagem da Bíblia - pg 156)
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